Crônica - O mundo bem na minha frente


Já tiveram aqueles surtos de “vou ficar um dia inteiro sem celular”? Ok, algumas pessoas devem pensar “isso é ridículo”, “existem coisas mais importantes que um celular”, “é só um celular”, mas pra uma jovem no alto dos seus 20 anos, como eu, o celular é quase um pedaço de mim. Mas esse final de semana tive que desapegar, o Theo, meu beagle, conseguiu de uma maneira incrível comer meu celular, como um bichinho tão fofinho como ele conseguiu fazer aquilo??? Eu chorei, tive pensamentos malucos e psicopatas, ate já tinha um plano pra abandonar ele na rua (eu jamais faria isso, eu amo ele, mas na hora da raiva), mas enfim, seriam 2 intermináveis dias sem meu celular.

Decidi sair pra andar com o culpado disso, eu sentia que ele estava precisando de atenção, confesso, metade do dia sem celular eu já tinha percebido que eu dou mais atenção pro celular do que pra peste do Theo e eu nunca tinha reparado em quão ele balançava o rabo pra passear. Eu moro em um condomínio de 8 prédios, então fui andar por aqui mesmo. Logo esperando o elevador, no meu andar, tinha uma senhora de uns 80 anos, ela me perguntou se eu era moradora nova, como assim??? Eu estou aqui já tem 4 anos.

Continuei minha caminhada pelo prédio, a piscina estava lotada, afinal era um sábado de verão, mas eu nunca tinha percebido o quão grande e bonita era aquela parte da piscina e olha que já fui lá algumas vezes. Vi pessoas me cumprimentando, arrumei ate uns crushs lá, conheci partes do condomínio, gente eu moro aqui a 4 anos, como nunca tinha reparado em tudo isso? Em quase 2 horas de passeio com o Theo eu descobri tanta coisa que sempre esteve ali, conversei com algumas pessoas um pouco mais velhas e por incrível que pareça eu ouvi algumas vezes “já te vi andando algumas vezes, mas você parece sempre muito ocupada no celular”, na maioria das vezes eu só estou no Instagram mesmo.

Cheguei em casa, tomei um banho demorado e relaxante, sabe aquele banho que você coloca em dia todos os seus pensamentos, parece que ta passando o filme da sua vida bem ali na sua frente, terminei de ler aquele livro que tinha comprado ano passado e estava encostado na cômoda do lado da cama, assisti filmes, vi o por do sol (e como deve imaginar, eu nunca tinha reparado o quão bonito ele é na minha janela), fui andar de novo com o Theo (nunca vi aquele cachorro tão feliz), conversei mais um pouco com os moradores que estavam la em baixo e percebi o quão invisível eu estava, fechada em um pequeno mundo do meu celular, não percebi quantas historias legais existiam logo ali do meu lado, quantas coisas “pequenas” mas que eu nem se quer tinha reparado e me importado, vi quantas pessoas se divertindo com coisas “pequenas”.

Busquei meu celular 2 dias depois do que deveria, cheguei em casa e pode parecer estranho, mas o Theo me olhou decepcionado assim que me viu com o celular na mão, em 10 minutos só respondi o que era importante, incríveis 3 mensagens das 364 que tinha, deixei meu celular na gaveta, coloquei um tênis e chamei o Theo pra passear de novo, fui conhecer mais um pouco do mundo que estava ali na minha frente e eu nunca tinha tirado os olhos do celular pra apreciar essas coisas tão “simples”, percebi o quão um pequeno mundinho digital me prendia pra descobrir o mundo real logo ali, na minha frente.


Lara Siquino

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